A arte tem o potencial de nos conduzir a lugares que julgávamos esquecidos – e aqui falamos de cantos da memória que precisam ser iluminados por novos estímulos sensoriais. A arteterapeuta e mestra em gerontologia Cristiane Pomeranz, de 53 anos, usa a linguagem artística no tratamento de Alzheimer há cerca de dez anos. Se a especialista costumava aplicar sua técnica somente no espaço de um museu, agora a novidade é que leva o método em domicílio, até a casa do paciente.
As aulas que coordena no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia), em São Paulo, usam referências de grandes nomes da pintura para despertar a cognição dos alunos em atividades lúdicas. Sob a orientação dela, os participantes são convidados a decorar bonequinhas de cabaça com motes do colombiano Fernando Botero, por exemplo.
O público que atende, porém, nem sempre tem condições de se deslocar até o local em que as atividades são realizadas. “Em geral, precisam de acompanhante”, diz Pomeranz, que, assim, estendeu um braço caseiro de seu projeto, o qual batizou de Faça Memórias em Casa.
Ela própria grava vídeos, que duram, em média, 15 minutos cada um, abordando aspectos das obras de artistas que já caíram em domínio público. “Nessas gravações, faço perguntas para interagir com os idosos que as veem”, afirma. “Os cuidadores [de pacientes em tratamento de Alzheimer] são instruídos a assisti-las com os pacientes e dar pausas para que eles respondam ao que é perguntado.”
Os vídeos são de livre acesso na plataforma do projeto. Quem deseja se aprofundar nos temas explorados pode adquirir kits, no próprio site, que constituem verdadeiros pacotes de atividades para amplificar o efeito estimulante do método. Os preços variam entre R$ 70 e R$ 80.
O kit dos Girassóis de Van Gogh, por exemplo, leva para o plano dos trabalhos manuais a explanação sobre a casa amarela que o artista habitou, na França. Lá, o artista ficou à espera do amigo Paul Gauguin, com quem pretendia montar um ateliê. O comprador do pacote recebe uma casa em miniatura, feita de MDF, a qual deverá lixar e pintar de amarelo. Todo o material necessário, inclusive um girassol de papel a ser colocado na fachada da moradia, integra o kit.
O do russo Wassily Kandinsky inclui uma ecobag. Sobre a superfície dela, devem ser coladas figuras geométricas de feltro, em alusão às formas características do trabalho do pintor.
Já o do francês Claude Monet se detém na figura dos jardins. “De uma flor de resina, saem fitas nas quais o paciente escreve memórias de flores e espaços verdes”, descreve a arteterapeuta. “Depois, a flor deve ser colocada em uma caixa de madeira, como se ali estivessem sendo guardados afetos.”
Os itens são adaptados para facilitar o manuseio. É o caso dos lápis, menores que os convencionais e com pequenas bolas de isopor acopladas para dar mais firmeza ao segurar.
“Quero modificar a rotina de quem é condenado ao esquecimento social”
Pomeranz afirma que o diferencial do projeto é o caráter lúdico, que reverbera no emocional de pacientes em tratamento de Alzheimer e demência. “Muitas vezes perguntam qual o sentido em falar de Monet para alguém que tem perda de memória, já que aquilo será esquecido”, diz. “A explicação é que algo vai permanecer, de maneira mais sutil: a sensação boa do contato estabelecido.”
O grande poder de sua iniciativa está em entender as necessidades de quem tem Alzheimer ou demência e, a partir de suas limitações, oferecer qualidade de vida a essas pessoas. “Quero modificar a rotina de quem é condenado ao esquecimento social, algo muito pior do que a patologia em si.”
Fonte: Instituto de Longevidade Mongeral Aegon