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Liberdade, descoberta, crise, agressividade, incertezas, sexualidade, rebeldia, desejos, segredos, escolhas. Tente e perceba que será em vão definir a adolescência em uma só palavra. Caracterizada por aceleradas mudanças em todas as esferas do desenvolvimento humano, a fase marca a transição da infância para a vida adulta e onde testar a autonomia e a independência em relação à família passa a ser uma constante. Experimentar passa a ser a palavra de ordem. Potencializa-se a probabilidade de iniciação sexual precoce, de envolvimentos com drogas e de exposição à violência urbana em face da influência dos grupos que passam a integrar. Além disso, esta é a fase em que há grande preocupação com a escolha profissional. Portanto, apoio é fundamental. E é exatamente isso o que tem feito o Projeto Adolescer, que completa 15 anos em 2014. “Muitos foram os atendidos, e acredito que, sobretudo social e culturalmente, a experiência tenha sido de grande valia para a vida deles. Meu amor pelo projeto está exatamente aí. Ele dá resultado”, declara a assistente social e gerente do projeto Kátia Cilene, uma das fundadoras.

Criado em 1999 pelo Departamento de Serviços Sociais do Abrigo do Marinheiro, o Projeto Adolescer é voltado para ambos os sexos, entre 12 e 18 anos incompletos. Eles devem ser dependentes de Militares ou Servidores Civis, ativos, inativos e pensionistas da Marinha. Também é preciso estar cursando, no mínimo, a 5° série do Ensino Fundamental e, no máximo, a 3º série do Ensino Médio.

FÁBRICA DE CIDADÃOS

Aprimorar o nível social e educacional do adolescente e desenvolver suas potencialidades para obter uma melhor qualidade de vida no futuro, é o principal objetivo do Projeto, além de preencher o tempo ocioso do adolescente, através de reforço escolar, atividades esportivas, como futebol e natação, excursões e palestras. O Adolescer visa sempre à formação de cada um deles como cidadão. “As atividades praticadas ali são importantes na vida de todo jovem de bem. Fui muito incentivado a buscar o meu melhor”, comenta o ex-aluno, Israel Araújo Júnior, filho de um Suboficial da MB e integrante do projeto entre 2006 e 2009. O rapaz hoje atua como Certificador do Detran-RJ e cursa o Ensino Superior.

Depois de um tempo longe da direção do projeto, a sensação de recompensa ao ver os jovens alcançando os seus objetivos é a principal motivação para Káti Cilene retornar ao posto. “Não tem preço encontrar um ex-usuário do Projeto demonstrando o mesmo carinho de anos anteriores”, conta entusiasmada. Com olhos marejados, Kátia guarda com carinho a lembrança de três irmãos que frequentavam o Adolescer por não terem o que comer em casa. “Um deles passou para a EpCar e é oficial da Aeronáutica. Isso é fruto de seu esforço. Demos a oportunidade e ele aproveitou. É esse o resultado que tanto falo”, alegra-se a gerente.

Também colaboradora do projeto, a psicóloga Tatiana Edges Medina, destaca que a intenção do projeto sempre foi dar um direcionamento de futuro para os jovens, tanto na carreira profissional, como na vida. “O grande resultado do programa é saber que a maioria dos alunos conseguiu captar essa mensagem e hoje estão bem encaminhados em suas profissões, na faculdade ou em outros segmentos”, esclarece a psicóloga.

Com firme propósito de orientar o aluno ao mercado de trabalho, despertando suas aptidões, o Projeto proporcionou Oficinas de Interesse, onde os mesmos tinham contatos com profissionais atuantes em áreas diversas. Aluno do projeto entre 2007 e 2009, Gedeão Abner dos Santos recorda a mudança em seu rendimento escolar e credita às oficinas o principal propulsor de sua carreira. “Fui bem em muitas provas na escola graças aos professores do Projeto. As Oficinas de Interesse me ensinaram coisas incríveis. Naquela época eu não tinha ideia da profissão que escolheria. Não sei que rumo profissional teria minha vida sem elas. Ali descobri o que vivo hoje. Pertenço a área da computação”, atesta Gedeão.

Os reflexos do trabalho são notados também pelos educadores. Fernanda Pereira, instrutora de Língua Portuguesa, está há um ano e seis meses no projeto e assegura que os trabalhos realizados no Adolescer geram um crescimento elevado na vida dos alunos. “O reforço escolar exercita a escrita, a oratória e a leitura dos integrantes. Os encontros literários, como leitura em conjunto de poemas e notícias do cotidiano, além da melhora na retórica, fazem os alunos terem o hábito de leitura, que, consequentemente, reforça a gramática”, explica Fernanda, destacando também que as atividades extras, aliadas a intensa conversa, são capazes de estimular a reflexão do que acontece ao redor deles.

LAÇOS ETERNOS

Recém-chegada ao Rio de Janeiro, Djane Feitosa se preocupou com o tempo ocioso de seus dois filhos Thaís Luísa e Odilson João Neto, de 11 e 15 anos. Segundo ela, eles tinham muitos amigos na cidade de onde vieram e ela temia a solidão que poderiam enfrentar. “Além de ajudá-los a se adaptarem, o Adolescer foi essencial para fazer novos amigos e de extrema ajuda no amadurecimento dos dois”, conta a mãe do casal, hoje com 18 e 22 anos, respectivamente.

Com base em uma orientação pedagógica, as oficinas do projeto têm a função de promover mais interação entre os alunos. Na oficina de fotografia, por exemplo, os alunos tiveram a oportunidade de praticar durante o passeio que foi realizado na Escola Naval. A consequência foi a realização de uma exposição das fotos voltada a um público diverso no “Festival Âncora Social”.

APOIO EMOCIONAL

O projeto ainda tem histórias marcantes de superação em relação a problemas familiares, como separação dos pais, que costumam afetar o adolescente. Um exemplo é Rafaela Albino, de 22 anos. Ela entrou para o Adolescer com 11 e ficou até quase os 15 anos de idade. A jovem declara que o projeto foi fundamental para superar a depressão que passava em consequência da separação dos seus pais. Com o ingresso nas atividades, voltou a fazer amigos e o desânimo que tinha começou a fazer parte do passado. “Passei a praticar esporte de diversas modalidades. O projeto me ajudou a me relacionar melhor com as pessoas, a aceitar as diferenças e a conhecer gente nova. Graças a ele sou menos dependente e mais responsável. Um aprendizado que levo até hoje”. 

No início do ano de 2007, o jovem Flávio Augusto passou por problema semelhante ao completar 16 anos. “Com a separação dos meus pais meu mundo parecia ter desmoronado. Fiquei um adolescente literalmente rebelde. Todos do Projeto tiveram toda a compreensão e paciência comigo. Fizeram-me ver que eu podia levar uma vida tranquila, como muitos jovens levam com seus pais separados. Hoje eu tenho 22 anos, tenho minha vida normal, tenho meus amigos, minha namorada e minha família restituída”, orgulha-se Flávio. 

Como fruto da raiz militar, o respeito à hierarquia e a disciplina são preconizadas durante todas as atividades. Marcos Vinícius, que frequentou o projeto nos anos de 2007 e 2008, comenta que a organização e disciplina do PA o ajudaram a ser pontual nos seus compromissos e a respeitar os seus superiores e colegas de trabalho. “Tudo era muito organizado, certinho”, lembra o rapaz que além do crescimento no âmbito profissional, venceu a timidez em excesso ao fazer uma peça de teatro. “Eu que sou tímido até demais, fiz o que nunca pensei que iria fazer na vida. Não foi uma atuação maravilhosa, mas só de estar lá eu já me senti vencendo um obstáculo”.

ABAIXO AO SEDENTARISMO!

E no Adolescer não há tempo para moleza. Em junho, por intermédio da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), o IBGE divulgou estudos mostrando que os adolescentes brasileiros se alimentam mal, veem TV demais e se exercitam de menos. Marcos Vinícius estava entre eles, mas após o Adolescer essa realidade mudou: “Passei a gostar de esportes e a praticar com mais frequência”. Um dos atuais alunos, Jhonny Costa, de 12 anos, conta que as atividades externas, como futebol, é uma de suas preferidas, mas as aulas de reforço escolar também são importantes. “As aulas vem me ajudando bastante na escola, principalmente as de informática.” Seu irmão gêmeo, Jonathan Costa, comenta que, além da melhora no desempenho escolar, aprendeu a assimilar valores como respeito, ter modos e agir de maneira correta.

SEMPRE ALERTA!

Recentemente, mais uma página marcante foi escrita na história do Projeto. Por uma votação unânime, o ex-adolescer Lucas Gomes, de 16 anos, foi escolhido dentre todos os escoteiros do Brasil para representar o escotismo no mundo ao lado do Papa Francisco, na última Jornada Mundial da Juventude. Ele ficou tão nervoso de estar perto do Pontífice que sequer conseguiu fazer um registro fotográfico com o celular. “Ali eu tive a noção que não estava apenas me representando, estava em nome de gente do mundo inteiro. Sei que muitos dariam tudo para estar no meu lugar e eu tive o prazer de estar naquele altar. A sensação foi única. Gratificante”, comemora Lucas. 

O rapaz conheceu o Grupo de Escoteiros do 90º GEMAR-AAM durante atividades do Projeto. “No Adolescer melhorei meu relacionamento com as pessoas, superei a timidez e assimilei o valor do espírito de equipe”, salienta ele, acrescentando que após passagem pelo Projeto Adolescer passou a dar mais valor às Forças Armadas. “Eu não tinha o real conhecimento do que representava a Marinha. Com a base do projeto a gente passa saber todos os detalhes e aprende o verdadeiro sentido”. Mostrar que a Marinha não é somente o local de trabalho dos pais, mas uma instituição secular, cuja principal missão é garantir a soberania do Brasil nas águas, também é um esforço do Projeto junto aos alunos. Kátia Cilene explica que espalhar o amor à Marinha faz parte da missão do Abrigo do Marinheiro e reitera: “Estimulamos o interesse pela Marinha de diversas formas. Tanto que após o tempo que passam no projeto, muitos deles ingressam na carreira militar”.

Tendo por base a pesquisa promovida pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (CETIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, que revelou que no Brasil, 70% das crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos que utilizam a internet, possuem perfil nas redes sociais, a organização do Projeto Adolescer tem feito uso das mídias sociais, explorando o recurso nas atividades como fonte de informação. “Nós montamos um grupo no facebook onde os próprios alunos o alimentavam”, conta a professora Fernanda.

A boa resposta do projeto não diminui a vontade de melhorar. A pedagoga, Camile Pereira, revela que a diretoria pensa em algumas mudanças para o ano que vem, como intensificação do reforço escolar na área de informática, aprimoramento do Projeto de Orientação Profissional (POP) que se tornaria um programa de qualificação e um espaço como uma espécie de curso preparatório para os jovens que se interessarem em fazer concurso para ingressar na carreira militar. O ex-aluno Marcos Vinícius, também faz questão de registrar que nunca teria conhecido tantos lugares lindos se não fossem os passeios promovidos pelo Projeto: “Eram maravilhosos”. E a atual Gerente dos Projetos Sociais do AMN, Kátia Cilene, reforça a intenção de dar continuidade às visitas, passeios culturais e torneios nas atividades esportivas. Além disso, a diretoria pretende realizar obras nas instalações do projeto no segundo semestre de 2014, na Casa do Marinheiro e na ARES-SG e incluir, além do inglês, outros idiomas na grade do reforço escolar dos alunos, devido à proximidade de eventos internacionais no Rio de Janeiro e em todo o Brasil, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Ao longo desses 15 anos, fica a lição de que com foco e trabalho sério, trajetórias podem ser mudadas, sorrisos podem ser arrancados e sonhos podem ser realizados. Basta se comprometer. Comprometimento não só nos ideais, mas no trabalho que será desempenhado. Consequentemente, o real desejo de satisfação estará ali, na gratidão e no sucesso das pessoas que foram ajudadas.